Artigo de Opinião: O Estado infiltrado - o colapso da segurança pública e o avanço do crime organizado no Brasil

Os verdadeiros líderes do tráfico e das milícias continuam intocados

O artigo analisa a megaoperação de 28/10/2025 no Rio de Janeiro como símbolo do colapso da segurança pública brasileira, expondo a infiltração do crime dentro do Estado e o fracasso da política da bala. Defende a necessidade de uma reforma estrutural e do rompimento entre poder público e criminalidade.

  A megaoperação no Rio de Janeiro, que resultou em pelo menos 121 mortos segundo dados oficiais até a publicação do presente artigo, reacendeu o debate sobre o modelo de segurança pública brasileiro e a profunda infiltração do crime organizado nas estruturas do Estado. O episódio não é apenas mais um capítulo da violência urbana — é um retrato de um Estado que perdeu o controle sobre os próprios mecanismos de coerção e investigação.

  Nos últimos anos, a guerra declarada ao narcotráfico tem se mostrado um teatro de operações midiáticas que sacrifica vidas, mascara interesses e preserva os verdadeiros beneficiários da economia do crime: aqueles que operam dentro das estruturas estatais, seja desviando armas, negociando apreensões ou lucrando politicamente com o medo.


O Governo Brasileiro (Federal e Estadual) e o enfraquecimento da política de enfrentamento real ao crime

  Sob o atual governo, nota-se um afrouxamento do enfrentamento direto ao crime organizado, sobretudo nas estruturas de base que sustentam o tráfico e as milícias. Não se trata de parceria, mas de omissão estratégica, que resulta na perpetuação de um sistema em que o Estado se mistura ao crime.


  Casos recentes, como o episódio na Paraíba, onde a Polícia Federal prendeu a esposa e a filha de um prefeito sob suspeita de vínculos com o grupo Nova Okaida, revelam a confusão entre poder político e facções criminosas. Se comprovadas as denúncias de controle territorial para fins eleitorais, trata-se de um caso típico de narcoestado em formação, onde o voto é condicionado pela força e pela intimidação.


Operações de guerra e o fracasso da política da bala

        A operação da Penha e do Complexo do Alemão, que mobilizou 2,5 mil agentes civis e militares, foi descrita como uma “guerra contra o narcoterrorismo”. Mas, na prática, foi mais um massacre, com dezenas de corpos deixados em uma praça para reconhecimento popular, num cenário que remete ao colapso civilizacional. Isso porque a guerra que é reproduzida na tela de aparelhos eletrônicos não atinge a raiz do crime organizado, não mata e nem mesmo prende os verdadeiros líderes soberanos dessas organizações criminosas. 

  Como apontou o sociólogo José Cláudio Souza Alves, a lógica da guerra nunca trouxe paz ao Rio. O Estado, em vez de construir políticas públicas, criar leis rigorosas para permitir que o poder judiciário aplique o rigor da lei, repete a estratégia da força bruta, alimentando um ciclo de violência que beneficia tanto os grupos criminosos quanto os setores do poder público que lucram com a manutenção do caos.

  Enquanto o Estado declara guerra, os verdadeiros líderes do tráfico e das milícias continuam intocados, operando a partir de dentro das instituições. A guerra é, portanto, uma ilusão de combate, que mascara um sistema de dependência mútua entre o poder público e o crime.


A simbiose entre facções e o aparelho estatal

  O Brasil vive hoje uma simbiose perversa entre o poder estatal e o crime organizado.

  Não há mais fronteiras claras entre agentes públicos e criminosos. Policiais, milicianos, políticos e faccionados dividem territórios, exploram economias paralelas e exercem controle social por meio do medo.

  Em favelas como a Rocinha, o Jacarezinho ou o Complexo do Alemão, o Estado não exerce soberania legítima, apenas alterna o comando armado.

        A presença policial é episódica e usada para manipulação do medo, seja contra grupos criminosos e/ou para gerar sensação de resposta para aqueles que acreditam no sistema. A imposição do medo é uma estratégia recorrente de controle social e político. A imposição do medo é uma estratégia recorrente de controle social e político. Ao produzir insegurança entre os grupos criminosos e, ao mesmo tempo, dependência em relação a eles, quem detém o poder obtém cessão — isto é, a rendição voluntária ou parcial das forças ilícitas — e, em consequência, rendimento, seja econômico, por meio de bens materiais como armas, dinheiro, território e influência, seja simbólico, pelo fortalecimento da imagem de autoridade e controle. O medo, portanto, não é apenas um sentimento; é um instrumento sofisticado de dominação.

  Neste contexto, a polícia é usada como peça operacional do jogo político, com a própria vida de seus profissionais colocada em risco. Eles não são o toque final da história, mas parte de uma engrenagem que serve a um ciclo vicioso: a operação termina em morte ou prisão, e o desfecho é entregue ao Poder Judiciário, que decide conforme leis fracas e ineficazes. Assim, o problema se perpetua e alcança o Legislativo, responsável por criar normas mais rígidas que deem base para uma atuação judicial eficiente.

  Entretanto, é justamente no Legislativo que os grupos criminosos exercem sua maior influência, de forma silenciosa e estratégica. Ali está o verdadeiro “coringa do jogo”: não há confronto direto, tampouco sangue derramado. O campo de batalha é político e midiático. As grandes operações policiais são exploradas como cenários de espetáculo público, usados para gerar debate, engajamento e manipulação, enquanto a raiz do problema — a infiltração e o poder criminoso dentro das estruturas estatais — permanece intocada.


Conclusão: o Brasil à beira do narcoestado

Se o Estado brasileiro continuar fingindo combater o crime apenas com blindados, helicópteros, caveirões, sem mudar as leis e os procedimentos de execuções das penas para condenados por organização criminosa, terrorismo e afins, a guerra será eterna.

  Não se vence o crime na manipulação do medo.

  O medo é o combustível de um sistema que se retroalimenta, sustentando a ideia de que há combate quando, na verdade, há manutenção de poder. O Estado aparenta agir, mas não transforma; reage com espetáculo, e não com estrutura. A cada operação, vidas são perdidas — de ambos os lados — e o problema retorna ao ponto de partida, mais forte e mais complexo.

        A polícia, sacrificada como linha de frente de uma guerra política, cumpre o papel de força visível em um conflito que é, essencialmente, invisível e institucional. O verdadeiro campo de batalha está nos gabinetes legislativos e nas estruturas de poder, onde leis são moldadas, discursos são negociados e o crime organizado se infiltra de forma silenciosa, porém estratégica.

  Enquanto o Estado insistir em usar o medo como método de controle social e a força como teatro político, jamais alcançará soberania real sobre o crime. O enfrentamento eficaz exige reforma legislativa profunda, governança pública corajosa e ruptura com a cultura do medo como ferramenta de poder.

  O Brasil não está em guerra apenas contra o tráfico, mas contra a própria omissão institucional.

  E se nada mudar, estaremos, de fato, à beira do narcoestado — um país onde o medo governa e a lei apenas assiste. 


Autor: Halviney Rocha - Detetive Profissional, Presidente da Associação Brasileira da Cidadania, Conselheiro do Conselho de Usuários das Polícias de SP, pós-graduando em Gestão Pública.

📍 Contato: https://www.rochaoficialsp.com.br/ 



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